segunda-feira, 13 de junho de 2011

A briga na visão da Cielo

Presidente da maior credenciadora do País conta os bastidores da supercompetição

No fim de tarde de uma sexta-feira gelada, o presidente da Cielo, Rômulo de Mello Dias, pediu à secretária que desse um recado a todos os funcionários que estivessem na sede da credenciadora de cartões naquele momento. Todos, não importava o nível, deveriam descer o para o pátio da empresa, no bairro de Alphaville, em São Paulo.
Era 23 de julho do ano passado e a Cielo vivia os primeiros dias do fim da exclusividade das maquininhas de cartão no País. Até então, os cartões da bandeira Visa só passavam nas máquinas da Cielo, antiga VisaNet, que teve de mudar de nome para se adequar às novas regras do setor. A bandeira MasterCard ficava a cargo da outra grande credenciadora do País, a Redecard.

Naquele início do cenário multibandeira, a Cielo tinha perdido e ganhado contas. Mas a percepção de perda, no entanto, era muito maior na equipe. Por isso, o presidente da empresa havia convocado os funcionários de supetão. "Subi em um banco e comecei: ‘Perdemos a empresa X. Por sinal, os modelitos que ela vende já estão fora de moda. Não comprem mais lá! Tal agência de viagens também. Nada de fechar pacotes com ela!’. E por aí foi", relembra Dias. Terminada a lista das más notícias, passou para as boas. "Comecei a listar os clientes que havíamos conquistado. A cada nome, os funcionários aplaudiam. Deixei por último as contas maiores. Aí a turma veio abaixo e se deu conta de que também havia ganhos."

A cena acima dá ideia do que representou o início da concorrência para um mercado até então habituado ao conforto da exclusividade. Com a possibilidade de o lojista escolher só uma máquina para todas as bandeiras, as credenciadoras se viram, pela primeira vez, obrigadas a disputar o cliente. As duas companhias, donas de quase 100% do segmento, entraram em confronto direto.

No setor de cartões, que movimentou no ano passado mais de R$ 500 bilhões no País, Cielo e Redecard fazem o credenciamento de estabelecimentos comerciais e são responsáveis pela comunicação da transação entre eles e a bandeira. Um negócio que tem a participação de pesos pesados: Bradesco e Banco do Brasil são sócios na Cielo, enquanto Itaú Unibanco está por trás da Redecard.

Naqueles primeiros meses do fim da exclusividade, as empresas navegavam às cegas porque não tinham ideia do seu desempenho em relação à concorrente em um mercado aberto. O cenário só começaria a desanuviar com os balanços do 3º trimestre, em outubro. "Era como se estivéssemos pilotando um avião com muita chuva, parte com informação precisa e parte na base do barômetro", explica Dias.

As pressões, segundo ele, vinham de todos os lados e de todos os níveis. Não eram poucos os funcionários que chegavam com frases do tipo: "Fui almoçar e o POS (maquininha) do restaurante não era mais Cielo". No conselho, as perdas de grandes contas geravam cobrança.

Mas o executivo recebeu apoio para seguir na orientação prevista: preservar as margens. "Não iríamos na base do share pelo share. Não adiantaria nada ter um cliente que me trouxesse prejuízo". Quem estava no dia-a-dia de vendas podia descer o preço dos serviços até um limite. Para ir além, só com a aprovação de outras instâncias.

O processo gerou reclamações na área comercial, já que a Cielo parecia mais lenta que a concorrência. "Eu respondia que era deliberado. Sou mais rápido para várias coisas, mas pra dar preço mais baixo não sou". E as investidas não vinham apenas do concorrente. O executivo conta que alguns clientes blefavam e era preciso "pagar para ver". "Houve pouca matemática e muita sensibilidade pra cuidar disso aí. O limite das negociações era a rentabilidade mínima que a gente definia." Mas diante da agressividade da concorrência e de perdas maiores do que o planejado, a Cielo teve de fazer diversos ajustes na estratégia.

Resultados

Em outubro, quando a Redecard divulgou o balanço do 3º trimestre, com uma queda no lucro líquido de 2,7% em relação ao mesmo período de 2009, a Cielo correu para antecipar o seu anúncio, que seria feito uma semana depois: havia registrado um aumento de 23%.

No 4º trimestre, o lucro líquido da Cielo ficou praticamente estável em relação ao mesmo trimestre de 2009, enquanto o da rival cedeu quase mais de 13%. Ficava claro que a estratégia da Redecard era manter preços agressivos para ganhar participação de mercado. A supercompetição fez as ações das duas empresas perderem o chão.

Em fevereiro, tanto Cielo quanto Redecard registraram os valores mínimos de seus papéis desde o fim da exclusividade. O preços refletiam as incertezas do mercado diante da guerra: ninguém sabia quando o ciclo de quedas de preços iria parar. A intensidade da disputa culminou com a substituição do presidente da Redecard, Roberto Medeiros, por Claudio Yamaguti, vindo do Itaú Unibanco. Procurada, a Redecard não deu entrevista.

"Na conference call do quarto trimestre, houve uma mudança de discurso da Redecard. A empresa assumiu um tom mais brando", afirma Luciana Leocadio, analista-chefe da corretora Ativa. "Depois disso, a competição ficou mais moderada."

Neste um ano de transformação da indústria de cartões, a Redecard ganhou fatia de mercado, mas a partir de uma estratégia de preços considerada agressiva demais por boa parte de investidores e analistas. De janeiro a março, o lucro líquido da Redercard despencou 20%, contra um recuo de 3,5% da rival. A impressão geral, até agora, é que a estratégia da Cielo se saiu melhor.

Novos rivais

Mas essa foi apenas a primeira parte da disputa nos cartões. Uma nova fase já começou com a chegada de novos competidores. Com foco no pequeno comércio, o Santander (em parceria com a GetNet) abocanhou 1,4% de participação. "Agora estamos aumentando a oferta de produtos para atender as grandes empresas", diz Cassius Schymura, diretor da área de cartões do Santander.

Companhias estrangeiras também anunciaram a entrada no País. Mas o processo não é simples. "Adequar plataformas à legislação e ao padrão brasileiros leva tempo", diz Marcos Leite, presidente da processadora CSU, que passou a atuar no setor com o Banrisul. Construir uma ampla rede de distribuição também não será fácil, já que os maiores bancos brasileiros estão por trás dos dois grandes players.

Mas o potencial de crescimento do mercado nacional tem falado mais alto que as restrições para as estrangeiras. "Em 2010, o Brasil registrou cerca de 7 bilhões de transações de cartões. Nos EUA, esse número é cinco vezes maior", afirma Paulo Caffarelli, vice-presidente da ABECS.

A americana First Data, maior empresa de meios de pagamentos eletrônicos no mundo, promete em dois meses anunciar os primeiros serviços de captura e processamento de transações no Brasil. "Estamos em negociação com vários parceiros", afirma Maria Fernanda Teixeira, presidente da First Data no País. A Elavon (associada ao Citi) e a Global Payments também anunciaram o ingresso no País.

A briga no setor está só começando. "O sarrafo (aquele travessão que os atletas de salto em altura têm de ultrapassar) está subindo", disse Dias, o presidente da Cielo, ao se referir à concorrência no setor. A Cielo vai ter de saltar mais alto.
Fonte: Agência Estado.

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