segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

As lições do caso Ronaldinho ao mercado corporativo


Especialistas apontam estratégias e cuidados para evitar prejuízos e garantir êxito em negociações corporativas

O recente episódio envolvendo o Grêmio e a tentativa frustrada de trazer de volta o jogador Ronaldinho é um bom exemplo de tudo que não deve ser feito numa negociação envolvendo empresas. Quando se trata de forjar fusões, aquisições ou outros modelos de investimentos, como instalação de empreendimentos nos estados, a primeira regra é o sigilo total. Depois, à medida que avançam as tratativas e as chances de êxito aumentam, é importante o estabelecimento de cláusulas de penalidades ante recuos não justificados.

“Muitas negociações fracassam por não terem estes passos bem definidos”, adverte Robertson Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, especializado em intermediações. O vice-presidente de Futebol do Grêmio, Antônio Vicente Martins, que é advogado, apressa-se em diferenciar negócios esportivos do corporativo. “É muito difícil manter sigilo. Os jogadores são pessoas públicas, as empresas não”, alega Martins, que descartou a hipótese de exclusividade, no caso Ronaldinho, já que o jogador ainda mantinha contrato com o Milan. Ao mesmo tempo, o dirigente critica a conduta do irmão e empresário do jogador, Assis Moreira: “Negociador tem de ter objetivo; quando alcança, está tudo resolvido. O Assis não mostrou o que queria.”

Ter uma meta clara e defini-la na largada de uma conversação é imprescindível quando uma empresa busca comprador, parceiro ou mesmo contratar novos projetos. “Quando os objetivos não são claros, o subjetivismo impera sobre a racionalidade, gerando frustração”, alerta o advogado e coordenador do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) no Estado, Robert Juenemann. Já Luis Motta, sócio da consultoria KPMG no Brasil, um botafoguense da gema, provoca: “Será que todo este procedimento do Assis não era intencional? A quebra de sigilo pode ser parte do jogo”, acrescenta o consultor.

A explosão de fusões e aquisições no País não dá outra escolha hoje às empresas: adotar procedimentos que regulem todos os estágios de uma negociação. Levantamento da KPMG registra o recorde de 707 negócios na área em 2010. Juenemann lista desde limites a serem estabelecidos sobre prazos para a tratativa, valores que cada um está disposto a pagar ou a receber e controle sobre as informações que são repassadas. “Também é importante o conhecimento prévio sobre os interessados, sua ética e moralidade”, elenca Juenemann. “Há pessoas que só têm curiosidade, não querem acertar um negócio.”

Emerenciano divide em três as fases de um negócio: antes, durante e depois do acordo. Na etapa que antecede a troca de informações, é bom colocar no papel as metas da empresa. No andamento, um primeiro documento deve prever sigilo e os limites de dados a serem intercambiados. “Só libere o que é relevante a cada avanço da transação”, previne Emerenciano. Se o namoro ganhar aura de maior interesse, os especialistas recomendam assinar um termo ou carta de intenções, que incluirá exclusividade, lista e nomes de quem acessará os dados e mais prazos para bater o martelo.

Juenemann orienta que todo tipo de transferência de documento, resultado de reunião ou mesmo visitas, seja documentado. Já atitudes que possam contrariar regras do acordo devem ser notificadas. “É prova para eventual processo futuro”. No mundo das negociações empresariais, a tecnologia também ganhou lugar. Advogados e consultores inseriram rotinas com uso de dataroom, pelo qual elimina-se encontros e telefonemas desnecessários. No ambiente virtual, armazenam-se informações, franqueadas a grupos restritos. “O custo de todo o processo pode cair à metade”, dimensiona Motta, da KPMG. “Movimentos que despertam a atenção estão eliminados”, lembra Motta.

Não se pode eliminar o fator conflito mesmo durante ou após uma transação. Com adesão ainda acanhada no Estado, segundo entidades que acompanham empresas, as câmaras de arbitragem, previstas desde 1996, ajudam a agilizar a solução de demandas. O coordenador da Câmara do Conselho Regional de Administração (CRA), Adão Indrusiak da Rosa, estima que mais de 800 contratos elegeram este tipo de tribunal para resolver impasses. “Na Justiça comum, pode levar anos, na câmara o teto é 180 dias.”

Sigilo absoluto e coerência devem marcar as relações
O vice-presidente de Futebol do Grêmio, Antônio Vicente Martins, cita que até a última terça-feira, 11, um dia antes da festa de Ronaldinho com a torcida do Flamengo, no Rio, recebeu torpedo do irmão do jogador, Assis Moreira, sondando sobre uma eventual retomada das negociações. Recordando que foram muitos dias de negociação, desde as primeiras sondagens, Martins reforça que o Grêmio redigiu sete versões de contrato. E desabafa: “Não é pessoal, mas não faço mais negócio com esse cara (Assis)”.

“O mais difícil é aceitar que Assis vendeu a mesma casa (o jogador) para três pessoas diferentes (Grêmio, Flamengo e Palmeiras)”, comparou o dirigente. Com o primeiro, as conversas evoluíam bem até que vazou a informação em 17 de dezembro, motivo que teria alertado o Milan, clube de Ronaldinho na Itália, e gerado dificuldades extras. Na virada do ano, Assis teria firmado acordo com o Palmeiras. Depois surgiu o Flamengo.

Especialistas apontam o sigilo como um dos trunfos que consagram ou podem levar a perder uma negociação. O advogado e ex-gerente de Relações Governamentais e Públicas da General Motors em Gravataí Marco Antônio Kraemer aponta que o atributo foi decisivo no acordo que atraiu a montadora em 1997, no governo Antonio Britto. “A conversa com o setor público deve ser pautada pelos mesmos critérios de uma transação privada”. Outra qualidade em uma operação como essa é a coerência, diz Kraemer. Mesmo na etapa de revisão de cláusulas do contrato já no governo Olívio Dutra, o ex-gerente ressalta a atitude e manutenção da pretensão da montadora.

O sócio do escritório Guerra&Piva, Luís Carlos Piva, destaca que o aquecimento da economia amplia o interesse local, turbina mais transações e eleva riscos de problemas. “Na fase da verificação de dados, chamada due diligence, o segredo tem de ser absoluto”, caracteriza. Sobre o episódio Ronaldinho, o advogado qualifica “como muito feio” os três níveis de conversas: Grêmio, Flamengo e Palmeiras. Para Piva, com 40 anos no mercado de tratativas e responsável por assegurar a instalação da Ventos do Sul, em Osório, há uma regra básica em qualquer negociação: conheça bem quem está do outro lado.
Fonte: Jornal do Comércio.com

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